Dias atrás surpreendi-me olhando
antigas fotos. Como é gostosa sensação de rememorar, relembrar, reviver
momentos delicadamente guardados na memória. Mais que comparar o passado com o
presente, rindo das mudanças físicas, de comportamentos, de modinhas, é gostosa
a saudade que dá daqueles momentos ali registrados. É quase como se as fotos
tivessem cheiro e gosto.
Peguei-me pensando no nosso
processo de constituição de memórias. Lembrei-me de uma situação da minha
infância, quando estudava para uma prova de Português. Um dos assuntos da prova
eram as benditas preposições. Após algumas horas de desespero tentando decorar
(sim, sou dessa época!) a matéria, resolvi pegar a gramática e sair andando
pela casa falando as bonitas em voz alta, de modo ritmado, quase cantado. Lembro
que ria muito de como parecia uma boba fazendo aquilo. Mas funcionou. Não decorei
as preposições. Aprendi-as. Tenho-as todas na memória até hoje, e isso já tem
mais de vinte anos. Tudo bem, não sei em que mudou a minha vida o fato de saber
dizer todas as preposições (ajudou muito nas provas, é verdade), mas tirei uma
lição daquilo, embora só tenha voltado a pensar no assunto já adulta. Aprendi que
a nossa memória é extremamente seletiva. E que, pelo menos para mim, as situações
associadas com emoções são as que ficam. Se eu não tivesse feito papel de boba
estudando as preposições, talvez as tivesse decorado para a prova e esquecido
logo em seguida. Mas o ritmo cantado, os risos e a vergonha em poder ser vista se
associaram ao aprendizado da matéria e fixaram-na em minha memória.
Das inúmeras situações que
vivenciamos diariamente, provavelmente as que formarão nossas lembranças serão aquelas
com alguma carga emocional implicada, aquelas que adquiriram relevância por nos
tocar de alguma forma. Uma foto é significativa para mim quando, ao vê-la,
quase consigo reviver a cena ali registrada. As fotos de antigamente, da minha
época de infância e adolescência, antes das máquinas digitais ou smartphones – em
que era preciso comprar o filme (!) e revelar os negativos para ter as fotos –,
conseguem me evocar lembranças mais facilmente. Hoje tiramos fotos a toda hora,
fazemos selfies e temos a comodidade de fazer tudo pelo celular. Temos muita
facilidade, muitos estímulos. Entre tantos estímulos, fica difícil selecionar. E,
se não selecionamos o que é significativo, esquecemos mais rapidamente.
Na nossa vida apressada de hoje,
temos informação demais, alternativas demais. Ficamos perdidos em meio a tantos
estímulos. É muito comum ligarmos o automático e sairmos para mais um dia cheio
de compromissos e atividades. Na correria, sobra-nos pouco tempo para uma
pausa, para tomar um caminho diferente, para desprogramar o cérebro da rotina. Para
formar memórias.
Tenho algumas lembranças de infância
que talvez meu filho nunca tenha semelhantes. Lembrança de brincar na rua até
tarde, voltando para casa somente após ver os chinelos nas mãos de minha mãe,
que eram o sinal para entrar imediatamente. Três fatores meio raros de ser ver,
ainda mais juntos, hoje: brincar na rua; à noite; e ser corrigido a palmadas,
chineladas ou seja lá o que for. Porque o mundo de hoje é diferente do de minha
infância, e tenho de adequar-me a isso com o meu filho. Brincar fora de casa é
igual a brincar no play, em um parque ou andar de bicicleta em algum lugar
menos perigoso que a rua, sob nossa supervisão. E palmada já não pode, que dirá
chinelada hoje em dia! Lembro das viagens de carro que fazíamos. Milhares de
quilômetros por estradas esburacadas, sem segurança e com o carro lotado. Meu
pai, único motorista nas aventuras de estrada, se aguentando à base de muito
café. Creio que essas lembranças contribuíram para o fato de eu amar cheiro de
café! Naquela época, lembro de curtir demais o percurso, sem pressa de chegar. Hoje,
na maioria das vezes, viajamos de avião. Porque é mais rápido, mais seguro e a
maioria das pessoas não quer perder dias de férias na estrada (claro que também
não é mais tão caro como antes)! As preocupações com segurança, felizmente,
predominam hoje e, tenho certeza que meus pais dariam importância a elas se existissem
naquela época.
O fato é que são contextos
diferentes. As mudanças acontecem em ritmo acelerado; não dá para comparar o
mundo de hoje com o da década de oitenta. Mas, às vezes, me pego pensando em
que tipos de lembranças meu filho terá de sua infância. Com tantos estímulos,
tanta rapidez, tantos compromissos, tantas imposições.
Certa vez, ao buscá-lo na escola
à tardinha, resolvi parar com ele para comermos um cachorro-quente, pois eu
estava morta de fome. Dividimos um cachorro-quente e um refrigerante (melhor,
eu comi quase tudo, pois ele não come a salsicha). No outro dia, ele pediu para
irmos de novo e eu disse que não, pois não se pode comer isso sempre. Entre muitos
e muitos por quês, expliquei-lhe que cachorro-quente e refrigerante só pode uma
vez ou outra, pois não são muito saudáveis. Ele ignora constantemente minhas
explicações e pede para comermos com frequência. Resolvi, por fim, deixar de
lado todas as imposições a que estamos submetidos cotidianamente
(cachorro-quente, como assim, e a dieta? Refrigerante para criança? Que crime!)
e reservar-nos uns dias no mês para calmamente sentarmos junto ao carrinho de
cachorro-quente, comermos, conversarmos, rirmos e curtir estarmos um com o
outro. Uma quebra na rotina de voltar apressadamente para casa, em meio a um
trânsito infernal. Talvez assim, quando ele for mais crescido, ao comer um
cachorro-quente, sinta gosto de infância, gosto de momentos agradáveis vividos
com sua mãe.
Essas pausas são importantes. Sempre
que posso, e quando meu pequeno não está tão cansado que só quer mesmo ir para
casa, faço essas pausas com ele. Seja na barraca de cachorro-quente, no parque,
no shopping até. Porque o mais importante é desprogramar. Alterar um pouco a
rota, fazer algo diferente, estar junto. Curtir o momento. Esquecer o celular,
desligar por um instante do mundo, sair do automático. Entregar-se a momentos
que virarão doces lembranças. Que deixarão gosto de saudade. Porque passa muito
rápido. Quando espantar-me, ele terá crescido. E, dessa época, o que restará
serão as lembranças.
Eu queria muito ,se fosse possível,voltar no tempo.Mas como é impossível...só resta mesmo, reviver através da memória!!!Tempos bons que ñ voltam mais!!!
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