sábado, 29 de novembro de 2014

Os vestidos de Lulu

Início da noite de sábado. Lulu pega do armário um vestido e começa a arrumar-se. Casamento de sua prima Flávia. Enquanto ela tira o vestido do cabide, sua mente vagueia. Léo vai estar lá. Ela tem de estar linda. Poderosa. Deslumbrante. De um jeito que ele, ao vê-la, sinta dor e remorso por tudo o que fez.

A cena aparece em flashes para ela: Léo e Tatiana, os corpos nus, as faces coradas de cansaço e vergonha, os olhares ora suplicantes, ora zombeteiros. Ali acabara o noivado e a suposta amizade de anos. Ninguém merece uma amiga traíra. Mas os dois se mereciam, duas cobras. Flávia explicou, com todo o tato, que chamou o casal porque ela era vizinha de Léo, eles cresceram juntos e tal. Lulu não se fez de rogada: sem problemas, isso já está superado. Não estava, mas ela não iria admitir e perder a chance de sambar na cara dos dois. De desfilar com Felipe, seu novo namorado e quase um deus grego (tudo bem, não era exatamente um deus grego, mas era mais bonito que Léo) a tiracolo, transpirando felicidade.

Lulu põe o vestido. Já tem maquiagem e cabelos prontos e, só assim, já estava fantástica. Mas a roupa seria o grand finale. Ela rodopia e se olha no espelho. Tcharam.


- Nãããooo - ela grita, um som abafado que ecoa pelas paredes do apartamento. Felipe, que aguardava na sala, ouve o grito e pergunta se está tudo bem.

- Está tudo bem, sim, amor. Estou me arrumando. Bati o dedão do pé, mas não foi nada. Mais um pouquinho e estou pronta.

Lulu se olha novamente. Não era possível. Ela só podia ter engordado. O vestido, até dias atrás perfeito, resolveu ficar horrível logo naquela noite. Ela não podia aparecer para Léo e Tatiana com os culotes marcando daquele jeito. Pegou um outro vestido e experimentou. Aquele haveria de ficar bom. Um pretinho nada básico que a deixava fabulosa.

- Não é possível! - Sufocou o grito, para Felipe não pensar que ela enlouquecera - Só pode ter sido o brigadeiro que devorei ontem. Como pode estar apertado desse tanto?

Pega mais um vestido, agora um vermelho divino, usado apenas uma vez e que ficara um arraso. Isso, pensou, arrasaria no papel de "dama de vermelho". Novamente gritos abafados ao ver sua imagem no espelho.

- Mas o que é isso? Só pode ser bruxaria daquela serpente da Tatiana! Nada me serve!


Lulu não desiste e recorre a mais um vestido, um azul turquesa. Repete-se a mesma cena, os mesmos gritinhos sufocados, o praguejar contra Léo e Tatiana. Pega um cor de vinho, um dourado, um prateado, um salmão, um fúcsia, um estampado, um coral, um violeta, outro estampado, um branco - não, branco não pode, é a cor da noiva. Ou não é mais? O que diz a etiqueta dos casamentos sobre isso? Ah, dane-se, branco não!

- Não tenho roupa! - Dessa vez, ela não abafou o grito.

Felipe corre para o quarto e a encontra debruçada sobre os vários vestidos na cama. Se ele não aparecesse naquela hora, ela provavelmente teria dado início ao pranto (pelo menos, sua maquiagem estava a salvo).

- O que aconteceu? E todos esses vestidos? Você não disse que logo estaria pronta? - Felipe já começava a derreter dentro da roupa de pinguim.

- Nada, só tive a impressão de ter engordado um pouco, parece que a roupa não cai bem.

- Deixa de bobagem, você está linda! Anda, termina de se arrumar, ou quem vai ter de trocar de roupa sou eu.

Abraçou-a e saiu. Lulu olha todos os vestidos à sua frente. Pensa em desistir, inventar um piriri de última hora ou algo do tipo. Olha novamente para os vestidos. Não, ela não era do tipo que fugia das coisas. Deu um retoque na maquiagem, modelou de leve os cabelos já arrumados, respirou fundo, contou até cento e cinquenta, entoou um mantra que tinha para momentos como aquele e começou a se sentir melhor. Contou novamente até duzentos e vinte e já era outra Lulu, com sua autoconfiança quase intacta.

Após uma hora e meia e vinte trocas de roupas, ela estava pronta. Finalmente olhou-se no espelho e gostou do que viu. Estava lindíssima. Léo e Tatiana que a aguardassem. Felipe poderia se declarar o homem mais sortudo daquela festa. Ma-ra-vi-lho-sa, ouviu sua consciência dizer para si. Deu um beijinho na sua imagem no espelho (para as invejosas, como Tatiana, pensou) e saiu para chamar Felipe.

O rapaz ficou deslumbrado com o que viu: Lulu estava encantadora em um vestido verde-esmeralda que realçava seus belos olhos. Longo, com detalhes em renda e um decote generoso nas costas. Exatamente o primeiro dos vinte que ela experimentara aquela noite.

6 comentários:

  1. hahahahahah como sempre, as vezes eu me pergunto pq a gente demora taaaaanto e troca taaaanto de roupa se acaba SEMPRE saindo com o primeiro que vestir rs


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    1. Pior que é assim mesmo, Letícia! A construção da Lulu foi bem projetiva rsrs. Acho que esse é um drama comum ao universo feminino. Obrigada pela visita. Bjs ;0)

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