quarta-feira, 18 de março de 2015

És tu, Saturno!



Mariana andava inquieta. Introspectiva, pensativa, ansiosa, quase angustiada, diria. Não sabia precisar o que lhe afligia. Por várias noites, chegava a perder o sono: um pensamento qualquer lhe vinha, seguido por outro, mais outro e outros tantos. Quando se dava conta, o sol já vinha nascendo e ela, ali, entregue às suas caraminholas.

Faria aniversario dali a duas semanas. Trinta anos. Como assim, três décadas? Trinta anos, assim, tão de repente? Seria esse o motivo de suas inquietações? Resolveu desabafar com uma amiga. Falou de tudo e nada. Sim, porque vivia um momento em que tudo era intenso: se era para sorrir, o riso vinha alto, estridente, rompantes de alegria extrema; se era para chorar, as lágrimas brotavam do fundo de sua alma, ao melhor estilo dramalhão. Só não compreendia a razão de tanta inconstância.

A amiga, chegada aos assuntos cósmicos, logo deu o diagnóstico: a culpa é de Saturno! Mariana, nem um pouco entendida de astrologia e afins, continuava sem entender suas agitações internas. A amiga explicou: Saturno demora vinte e nove anos para completar uma volta em torno do Sol. Um ano em Saturno equivale a vinte e nove anos terrestres. O retorno de Saturno influencia nossas vidas, sendo o primeiro retorno nossa primeira grande crise. Ela estava vivendo a crise dos trinta, ou, cosmicamente, o primeiro retorno de Saturno.

- Você está pesando o que fez com a sua vida até agora. Estudou o que queria? Trabalha com o que sonhava quando era mais nova? Tem sua casa, seu carro, suas coisas? Casou, tem filhos? Amadureceu? Sim, porque amadurecer é isso. Os trinta anos batem à sua porta e você ainda não teve grandes feitos na vida. Por isso esse sofrimento.

- Obrigada, Marcela, por sua delicadeza em afirmar minha insignificância!

- Não é insignificância, a maioria das pessoas ainda não realizou aos trinta aquilo que imaginava quando era criança. Você lembra como você, aos dez anos de idade, se via aos trinta?

- Sempre achei que, aos trinta, estaria comandando uma empresa, teria dois filhos, um ótimo marido, moraria em uma cobertura na praia e viajaria duas vezes ao ano para a Europa. Hoje estou aqui, a duas semanas dos trinta, e tudo o que tenho é um trabalho que me serve para pagar as contas, dois cachorros, uma quitinete alugada, um namorado que foge de compromisso e o único lugar que consigo ir duas vezes ao ano é ao sítio dos meus pais a trezentos quilômetros daqui!

- Bem-vinda aos trinta!

- Não quero! Quero voltar aos dez! Quero, sei lá, largar tudo (o que não vai ser difícil, já que não tenho nada), pegar uma mochila e viajar o mundo. Quero andar por aí, sem rumo, conhecer novas culturas, novas pessoas, dar um significado para minha vida. Ou, então, largar o emprego e virar artista! Ai, a verdade é que não sei o que quero!

Marcela continuou explicando sobre as voltas de Saturno. Sugeriu que Mariana fizesse seu mapa natal, para saber em que casa ela tinha Saturno. Disse que era provável que fosse na nona casa, pela vontade dela em viajar pelo mundo. Era preciso conhecer as relações de Saturno com outros planetas no seu mapa de nascimento, para compreender melhor a influência do astro em sua vida. Continuou falando por horas e, por fim, dadas as angústias da amiga, sugeriu que ela fizesse mesmo era terapia.

A conversa com a amiga deixou Mariana ainda mais agitada. Resolveu caminhar sozinha pela praia, pois o mar costumava acalmá-la. Saturno, pensava. Como se não bastasse sofrer influências de hormônios, da TPM, até da lua, ainda tinha mais essa de Saturno? Quanto tempo duraria a tal crise dos trinta? Amadurecer realmente não era fácil, pensou.

Colocou sua vida na balança. Começou por aquilo que não estava bom: não tinha o melhor emprego do mundo; ainda não tinha conseguido estudar temas que realmente achava interessantes, como artes, música, cinema e literatura, pois tinha que priorizar aqueles que lhe dessem algum retorno profissional mais imediato (viva o mundo corporativo!); não tinha sua própria casa; seu carro ainda estava sendo pago em suaves (e quase infinitas) prestações; e seu namorado parecia evitar qualquer sinal de compromisso.

Quando uma lágrima teimosa quase rolou por sua face, ela molhou os pés descalços no mar. A água fria em contraste com a areia quente fez-lhe recuperar as energias. Pensou que, talvez, sua vida não estivesse assim tão ruim. Tudo é relativo. Um ano em Saturno dura quase trinta anos na Terra. Em Saturno, ela seria não mais que um bebê! Tudo bem que ainda lhe faltava muito daquilo que um dia projetara. Mas não estava tão longe assim. Além disso, as projeções que fez para sua vida há quinze, vinte anos, não lhe pareciam as melhores naquele momento. Porque a vida não é um plano estático a ser seguido cegamente. Mudanças de planos são necessárias também.


Paradoxalmente, ficou mais tranquila ao constatar o tamanho de suas inquietações naquele momento. Sentiu-se mais viva. Questionar-se, provocar-se, deveria ser sinal de amadurecimento. Sinal de que não estava simplesmente deixando a vida passar, mas assumindo o controle sobre a própria existência. Ainda que esta fosse influenciada por forças que estavam além de sua alçada.

10 comentários:

  1. Estou vivendo essa "crise" aos 25...deve ser culpa de Saturno. 😄

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    1. Pois é, deve ser Saturno rsrs.
      Eu, com 32, ainda cheia de inquietações rsrs. Não importa a idade, sempre temos nossas questões, parece que sempre falta algo, né?!
      Bjs

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  2. Ai meu deus, eu to vivendo a crise pré 25, mas ainda tô com 22. pode isso?
    Obrigada pelos seus textos, Hélia. Seu jeito de escrever me acalma. Tô precisando de um pouco de calmaria.
    Porém, tenho algo a falar que me orgulho de ter decidido. Em vez de apelar para a formação que o mundo corporativo de oferece, vou estudar literatura e finalmente fazer algo que eu gosto. E, quem sabe um dia, isso também me serve como renda além de hobby?
    =D

    Beijos! :D
    Livre Leve Livro

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    1. Oi Gisela! Parece que a gente já nasce com crises, né? Mas estou aprendendo a ver o lado positivo dessas inquietações, pois, se incomoda, é porque não está tão bom e isso, geralmente, impulsiona alguma mudança. Veja você, que resolveu estudar literatura, acho ótimo e, se é a sua praia, certamente lhe trará retorno, além da realização. O que vejo que acontece muito é que somos pressionados desde cedo a fazer escolhas e acabamos, muitas vezes, não escolhendo por nós mesmos e, mais à frente, a gente se questiona. Admiro sua maturidade aos 22 e desejo muito sucesso e que suas "crises" tenham boas resoluções. Bjs

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    2. Algumas pessoas certamente nascem. hahaha eu estou frequentemente em crise. :b
      Mas, como você disse, há de ter um lado positivo. Conformismo nunca foi a minha praia, e, apesar de não saber ao certo o que eu quero, sei que não dá pra ficar parada esperando a morte chegar - como raul ja dizia. rs

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    3. Também vivo eternamente em crise haha ;-)
      Sim, acomodar é que não pode, né? Afinal, vida é movimento.
      Bjs.

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  3. Oi Oi Oi... Vim conhecer seu blog!!!
    Muito lindo!!! Amei o Post!!!
    Se puder ir no meu eu ficaria imensamente grata!!! Vou seguir o seu, preciso muito de seguidores, pois ainda estamos bem no começo... Dá uma forcinha seguindo de volta?! Abraço e sucesso pra todos nós!!
    http://clubedolivro15.blogspot.com.br/

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    1. Oi! Obrigada pela visita. Que bom que gostou ^_^
      Vou lá conhecer o seu. Bjs.

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  4. Saturno o deus do tempo não poupa ninguém e ainda disfarça a sua mão obscena de nuvens só pra iludir que existe um início e fim do dia... Ela que mande saturno pro diabo e que vá viver à luz do sol que sempre há sol em algum lugar e o dia só acaba quando não há mais quem saiba o que é uma noite.

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    1. Haha boa dica para a Mariana ;-)
      Sim, ela que viva à luz do sol e tome as rédeas da própria vida!
      Abraços.

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