segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Um conto de Carnaval




Terça-feira de carnaval. Ele não gostava muito da festa, preferia aproveitar o feriado para pegar umas ondas, assistir a maratonas de filmes e séries, ler alguma coisa ou simplesmente descansar.  Ela também não gostava muito da folia. Geralmente fugia para a chácara dos avós ou ficava em casa descansando, colocando a leitura em dia e assistindo aos seus seriados preferidos.

Mas, naquela terça, ele resolveu sair. Os amigos encheram tanto que acabaram conseguindo levá-lo para a rua. Ela decidiu sair naquela tarde também. Na verdade, fora comprada pela irmã, que ofereceu-lhe um vestido (que a garota amava e a irmã não emprestava por nada) em troca de companhia.

O bloco exigia que fosse usada uma fantasia. Ele lembrou que tinha algumas, resquícios de carnavais passados. Abriu o armário para ver as opções. A manjada fantasia de super-homem, já desbotada e sem graça. Uma fantasia de príncipe, que ele devia ter usado há uns dez anos. Certamente não serviria. A fantasia de chapeleiro, da época em houve uma peça inspirada em "Alice no País das Maravilhas", na já distante época de escola. Essa era legal; resolveu experimentá-la, mas ficou apertada. Sobrou-lhe somente uma surrada fantasia de pierrô e, por fim, vestiu-a. Teria de ser ela mesma. Era confortável, apesar do calor insuportável lá fora.

Ela, contrariada, foi escolher sua fantasia. Pensou no vestido que ganharia, o que fez aumentar sua disposição. Pegou algumas no seu armário e outras no da irmã. Começou pela de Mulher-Maravilha da irmã. Colada demais, a irmã era mais magra, essa não cairia bem. Pegou uma de princesa, que logo descartou, pois sentiu-se com seis anos de idade. Olhou sua velha fantasia de Alice, que ela adorava. Iria com ela, claro. Mas, ao vesti-la, descobriu que estava com um enorme rasgo nas costas. Não teria tempo de arrumar. Então, pegou uma fantasia de colombina que tinha há alguns anos. Colombina no carnaval, pensou, e riu-se do clichê. Mas era confortável; pronto, estava decidido.

Saíram de suas casas, o pierrô e a colombina, rumo ao bloco de carnaval. Ele, com os amigos. Ela, com a irmã e mais uma amiga. A festa estava boa, a animação era contagiante, apesar de nenhum dos dois estar inicialmente disposto a sair. As ruas escaldantes exalavam uma mistura de suor, bebida e alegria. Era difícil não se envolver com aquele clima. Ele entrou na onda. Ela também. Era o último dia de carnaval e a festa estava boa.

O calor estava infernal; ele se afastou para buscar mais uma cerveja. Ela também foi pegar uma bebida e, nesse instante, eles se encontraram. Ele olhou para a colombina; ele ali, parado,vestido de pierrô. A colombina, o pierrô e a multidão. Em um instante, a multidão sumiu de seus olhos, e só havia ela, a colombina. A imagem que ele iria guardar para sempre. A atração foi recíproca. Ela até esqueceu que combinara de levar uma bebida para a irmã.

Quase não falaram, mas ficaram juntos aquele resto de tarde. Ele tinha um cheiro bom, apesar de misturado a álcool e a sua transpiração. Ela tinha um cheiro doce, mas não enjoativo. Um doce gostoso, que emanava especialmente de seus longos cabelos pretos. O bloco começava a dissipar-se, as primeiras pessoas já iam embora. Eles permaneceram abraçados, alheios a tudo.

Quando começava a escurecer, ele perguntou-lhe seu nome e pediu que tirassem as máscaras. Ela quase cedeu. Então, lembrou-se de que era terça-feira de carnaval. No outro dia, seria quarta de cinzas, era a vida voltando ao normal. Tirar as máscaras seria quebrar o encanto daquele momento, que ela queria guardar para sempre. Trocar nomes, telefones, despir-se daquela aura mágica e criar expectativas, para quê? Para desapontar-se, certamente. Amores nascidos no carnaval, seria possível? Decerto, os cupidos de plantão ali naquele meio eram todos trapalhões, dispostos apenas a divertir-se com os enamorados que ali surgissem. Romances breves, talvez, amores a longo prazo, provavelmente não.

Despediram-se com um longo beijo e tomaram o rumo de suas casas. A imagem, o cheiro e o gosto daquela colombina ficariam eternizadas para aquele pierrô. Este também estaria gravado para sempre naquela moça colombina.

Ah, o carnaval e sua magia, que juntara aquelas duas almas por um breve momento. Se não fosse carnaval, talvez eles jamais tivessem se encontrado. Em outro contexto, poderiam sequer se haverem notado. Em outro contexto, porém, eles poderiam ter-se apresentado. César e Marina. Poderiam ter conversado por horas a fio e descoberto que, sim, eles tinham muito em comum. Que um romance real poderia surgir dali, desde que eles tivessem tirado as máscaras. Em outro contexto, eles poderiam se descobrir apaixonados, não pelas imagens que formaram um do outro, mas pelas pessoas reais por trás das fantasias de pierrô e colombina. Em outro contexto, talvez. Mas, ah, é carnaval.



18 comentários:

  1. Gostei da desenvoltura de seu texto; fácil compreensão e envolvimento.

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    1. Fico feliz que tenha gostado :)
      Obrigada pela visitinha. Abraços.

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  2. Helia... Novamente embelezando sua vitrine... Este é um para refletir sobre oportunidades. Quem nunca se deparou com vários contextos?
    Parabéns, novamente. É legal ver seus texto, pela certeza que sempre levaremos alguma reflexão deles.

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    1. Rsrs obrigada novamente, Diogo. É muito bom vê-lo aqui. Adorei o comentário sobre a vitrine haha. Bjs.

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  3. Amores de carnaval rendem belas histórias, mesmo que os enredos não tenham a continuação ou o final que geralmente esperamos. Acredito que esse casal daria certo porque nenhum dos dois queria pular carnaval, mas as circunstâncias fizeram com que seus caminhos se cruzassem.

    Não curto o carnaval mas adoro o feriado pra descansar da correria do cotidiano escolar rsrsrs

    Até mais!

    http://inspiracaolivre.blogspot.com.br/

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    1. Oi Jac! É isso mesmo, embora os romances de carnaval geralmente não tenham continuidade, as belas histórias ficam. Eu também, ultimamente, aproveito esse período para descansar, assim como você. Bjs.

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  4. Muito boa sua história Hélia. Parabéns. Amores de carnaval, realmente dão boas inspirações e, a época, é bem propícia. (Risos...) Abraços.
    http://verdadesdeumser.com.br

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    1. Olá! Feliz em vê-lo aqui *-*
      Que bom que gostou da história. Abraços.

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  5. Oi,
    Muito bom esse conto!!!!!! Adorei <3
    Parabéns! Adorei seu blog!! Beijos
    Kworldofbooks.blogspot.com.br

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  6. Olá!
    Adorei o conto e o blog, parabéns! :)
    http://sabiasdistoo.blogspot.pt/

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  7. Um texto belo, mágico como o carnaval. Parabéns me cativou muito. Só esperava que César e Maria se dessem a chance de tentar, mas surpreendeu o final. Beijos Mil.

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    1. Obrigada, Eric. Pois é, eles poderiam ter ficado juntos rsrs. Mas, sabe como é o carnaval ;)
      Bjs.

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  8. Muito bem escrito e desenvolvido, parabéns!

    Beijos
    http://pimentasdeacucar.blogspot.com.br/

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  9. Oi Helia! Adorei o conto e o blog, estarei por aqui outras vezes!!! Bjs!

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    1. Oi, Fabíola! Muito feliz com sua visita aqui!! Acompanho seu blog e adoro seus textos :-)
      Bjs.

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