quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Central de Atendimento, não!


Beatriz recebeu uma mensagem no celular. Era de seu banco, informando de uma compra realizada no seu cartão de crédito. Ela inconscientemente disparou seu alarme interno: não havia feito aquela compra, seu cartão só podia ter sido clonado!

Rapidamente, pegou o telefone e se pôs a discar o número da central de atendimento. Respirou fundo quando começou a ouvir a gravação que lhe causava arrepios: "disque 1 para cartão de crédito, 2 para saldos, 3 para aplicações, 4 para isso, 5 para aquilo, 6, 7, 8 (quais eram as primeiras opções mesmo?), 9 para falar com nossos atendentes... Discou o 9, pois já havia esquecido de todas as anteriores. Melhor falar logo com uma pessoa real a ter de ouvir toda a gravação novamente, pensou.

Mas não atende logo uma pessoa real; em vez disso, ela começa a ouvir uma nova mensagem com propagandas do banco, quase convencendo-a do quanto ela era privilegiada em ser cliente deles. Uma, duas, três, quatro repetições dessa mensagem (que Beatriz já sabia de cor), até que, enfim, fala uma atendente:

- SeuBanco, Cláudia, boa tarde, com quem falo por favor?

- Beatriz.

- Em que posso ajudá-la, Sra. Beatriz?

Beatriz explicou para a voz robotizada de Cláudia (seria mesmo uma pessoa ou mais uma gravação?) sobre a mensagem recebida e sobre a compra que ela não reconhecia.

- Desculpe, Sra. Beatriz, mas a senhora discou a opção errada e não tenho como ajudá-la. Solicito que disque a opção 1, em seguida a opção 3 e, após, a opção 4.

- Como assim, moça?

Era tarde, Beatriz já começava a ouvir a gravação novamente, que solicitava que ela escolhesse uma opção. Discou o 1, opção que ela lembrou. Mas, o que vinha em seguida? Discou qualquer coisa e, novamente, passava a ouvir a propaganda sobre as vantagens do seu banco. Após duas repetições sobre as maravilhas bancárias, atende uma nova voz robotizada:

- SeuBanco, Olavo, boa tarde, com quem falo, por favor?

- Beatriz.

- Em que posso ajudá-la, Sra. Beatriz?

O mesmo discurso? Deveria ser tudo gravação, Beatriz estava quase convencida. Com menos paciência que explicara a Cláudia, ela passou a falar a Olavo sobre a compra não reconhecida.

- Desculpe, senhora, mas não posso ajudá-la. A senhora terá de entrar em contato com a central de cartões e informar o problema.

- É o que estou tentando fazer!

- Peço que a senhora disque a opção 1 e, em seguida, a 3.

Contrariada, Beatriz fez o que ele indicou. Mais quatro minutos de propagandas do banco (que ela já sabia imitar perfeitamente), atende uma nova voz (ou seria gravação?):

- SeuBanco, Luana, boa tarde, com quem falo, por favor?

- Beatriz (sua voz começava a ficar estridente).

- Em que posso ajudá-la, Sra. Beatriz?

Beatriz teve a ligeira impressão de que a voz de Luana soava mais natural, apesar das frases idênticas às de Cláudia e Olavo. Teve a débil esperança de que ela poderia resolver seu problema.

- Moça, tive o meu cartão clonado, recebi uma mensagem informando de uma compra que não reconheço.

- Sra. Beatriz, desculpe, mas seus dados não foram carregados para mim e não consigo resolver seu problema.

- Como assim? Fiz tudo o que me pediram das outras vezes, estou há vinte minutos sendo transferida de um atendente a outro. Só quero resolver minha situação!

- Desculpe, senhora, é um problema no sistema, que não carregou os dados. Sem seus dados, não consigo ajudá-la.

Sistema. Tudo é culpa do sistema. Sartre estava certo, o inferno são os outros e, os outros, no caso, são o sistema! Quando você não consegue, não pode ou simplesmente não quer resolver alguma coisa, ponha a culpa no sistema. A raiva contra você será toda canalizada ao sistema!

- Moça, então, pelo amor de Deus, diga-me o que fazer! Não aguento mais isso!

- Vou transferi-la, senhora, aguarde um minuto.

Beatriz já se preparava para ouvir mais cinco repetições sobre as benesses do seu banco, quando, para sua surpresa, rapidamente atendeu uma nova voz:

- SeuBanco, Michele, boa tarde, com quem falo, por favor?

- Beatriz (sua voz já saía fraca, quase inaudível).

- O que deseja, Sra. Beatriz?

- Um pouco de ácido, por favor.

- Desculpe?

- Hã, moça, estou há meia hora ao telefone, tentando resolver o problema da clonagem do meu cartão. Não aguento mais, estou exausta, irritada e desesperançada com a condição humana. Primeiro tenho o meu cartão clonado, o que ressalta a fragilidade de nossas vidas, de nossa segurança e privacidade. Aí, quando tento resolver, sou jogada para todos os lados, de um robô a outro, sim, porque vocês fizeram treinamento para serem robôs. Tenho certeza que, quando chegam a seus postos de trabalho, trancam seus cérebros e corações nos armários e se põem a repetir comandos prontos. A verdade é que vocês são treinados não para ajudar-nos a resolver nossos problemas, mas para testar nossos limites e nossa paciência.

- Hã, senhora, em que posso ajudá-la, por favor?

A voz de Michele tinha um resquício de emoção, Beatriz percebeu. Certamente a catarse de Beatriz havia desestabilizado um pouco a moça.

- Desculpe, Michele, mas acho que você não pode me ajudar. Desejo uma boa tarde. Foi um prazer falar com você.

- Boa tarde, senhora. O SeuBanco agradece a ligação.

Beatriz desistiu. Entregou os pontos. Mais de meia hora ao telefone e não conseguira, sequer, cancelar o cartão, que dirá contestar a compra. Estava decidida a ir a sua agência no dia seguinte e exigir de sua gerente que fornecesse seu número pessoal, para resolver problemas desse tipo diretamente com ela. Afinal, se seu banco era tão maravilhoso quanto ela insistentemente ouvira anunciar, o mínimo que deveria fazer era poupá-la de utilizar a central de atendimento.

Beatriz olhou novamente a mensagem ao celular. A compra não reconhecida. Mas... espera! Teve um insight. A mensagem estava atrasada. Não era referente a uma compra do momento, mas a uma feita no dia anterior. Ela realmente havia feito aquela compra. Não havia sido clonada!

Ela riu. Gargalhou alto. Em seguida, lágrimas começaram a escorrer de seus olhos. O riso misturado ao pranto. Aquela meia hora perdida, por conta de uma mensagem atrasada, de um esquecimento devido ao calor do momento. Chorava de raiva da situação, mas ria da loucura toda. As vozes robotizadas. As gravações com as opções e os benefícios de seu banco. A catarse com Michele. A reação da moça ao seu desespero. Pelo menos, não havia sido realmente clonada. Não havia mais que se preocupar com isso. Mas ainda iria pedir o telefone da gerente, pensou.

Resolveu tomar uma ducha para esfriar a cabeça e esquecer aquilo. Contudo, no banho, enquanto a água descia por suas costas, aquelas palavras insistiam em ocupar sua mente. Começavam assim: "Cliente, você sabe por que o SeuBanco é um banco feito para você?" As palavras da propaganda do banco. Aquela sobre os seus serviços extraordinários, lembrando-a do quanto ela era especial por ser cliente deles.

15 comentários:

  1. Olá Hélia, estou de volta...

    Ainda bem que essa história terminou bem. Confesso, eu detesto toda e qualquer central de atendimento exatamente porque tenho sempre que repetir os mesmos dados. Que droga! O sistema falha e nós que pagamos o pato???

    Tem post novo no blog. Até mais! Bjksss

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  2. Oi Jac, que bom que voltou :)
    Eu também falto entrar em pânico quando preciso ligar nessas centrais rsrs. Pois é, tudo é culpa do sistema, né?
    Vou lá conferir o seu. Bjs

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  3. Mais uma vez você traz algo corriqueiro com detalhes vivos que fazem toda a diferença, haha. Muito bom e senti uma certa compaixão pela Beatriz talvez pela minha mania de cometer mancadas frequentemente graças ao esquecimento, hahaha.
    http://efeitotranslucido.blogspot.com.br/

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    1. Oi Mirelle, bom vê-la por aqui. Fico feliz que tenha gostado. Confesso que também me identifico com a Beatriz rsrs.
      Obrigada pela visita. Bjs.

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  4. É DEMAIS . FICO HORRORIZADA . MEU CONSOLO É QUE TEM PAÍSES PIORES . MAS PODERÍAMOS ESTAR ENTRE OS MELHORES .
    BEIJOS E PARABÉNS

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    1. Obrigada pela visita, Lúcia. Eu fico bem irritada quando tenho de ligar nesses serviços :(
      Bjos

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  5. Quem já não passou por isso, tentar resolver e não conseguir nem falar no setor desejado? Você conta isso com desenvoltura e maestria no uso das palavras e principalmente tem o principal que é o talento de deixar a pessoa interessada para saber o que acontece no final. Parabéns!

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    1. Obrigada, Cecília. Fico feliz por sua visita e por haver gostado da historinha. Bjs.

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  6. Quem já não passou por isso, tentar resolver e não conseguir nem falar no setor desejado? Você conta isso com desenvoltura e maestria no uso das palavras e principalmente tem o principal que é o talento de deixar a pessoa interessada para saber o que acontece no final. Parabéns!

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  7. hahahaha legaal
    http://beatrizconceicao2018.blogspot.com.br/

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  8. Ótimo texto Helia! Quem nunca passou por isso? hehehe
    Não sei se você já viu, mas tem no CQC tem (ou tinha, não sei) um programa chamado "Olho por olho, dente por dente", e em um dos episódios eles fazem o pessoal do telemarketing pagar.. É excelente!! rs Dá pra assistir aqui: https://www.youtube.com/watch?v=X4QjjhHKSeE

    Beijo

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    1. Hahaha vou ver o vídeo. Dá muita raiva ficar sendo transferida e ter de repetir a mesma história dezenas de vezes.
      Obrigada pela visitinha.
      Bjs.

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  9. Eu sinto vontade de chorar quando tenho de entrar em contato com alguma central de atendimento. Aqueles labirintos de opções, transferências e gravações são o caminho da loucura. Pelo menos nesse caso o problema se resolveu por si próprio, porque se dependesse da central não haveria solução.

    http://porquelivronuncaenguica.blogspot.com.br/

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    1. É verdade, Ronaldo, eu também falto arrancar os cabelos quando tenho de resolver algo por lá rsrs. Obrigada pela visita e comentário. Abraços.

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