Claustrofobia. Ela aprendeu o que
significava essa palavra estranha quando era criança. Quando, aos nove anos,
ficou presa pela primeira vez no elevador do prédio em que morava. Estava sozinha,
o que elevou o pavor à enésima potência. Ao todo, ficou cerca de cinquenta e
cinco segundos trancada naquela espécie de caixa do pânico. A combinação de: 1)
o porteiro ter sido muito eficiente; 2) o elevador ter parado no primeiro andar
(bem próximo à portaria) e; 3) claro, ela quase ter colocado o edifício abaixo
por causa dos gritos histéricos desesperados interromperam rapidamente
seus instantes de agonia. Mas, não importava, o estrago já estava feito: o medo
de lugares fechados – no seu caso, especificamente de elevadores – iria
acompanhar-lhe dali em diante, até o último de seus dias.
Com medo de novas ocorrências
como essa, ela desenvolveu suas defesas, na verdade, alguns pensamentos obsessivos
e comportamentos compulsivos. Mas, quem não tinha um pouco dessas coisas de vez
em quando? Que atire a primeira pedra quem é “normal” o tempo inteiro.
Ela começou contando quando
entrava em elevadores, para aferir o tempo exato que se demorava dentro deles. Depois,
descobriu-se boa com números e suas obsessões “evoluíram” à medida que ela
crescia. Iniciou com operações simples: passou a somar, subtrair, multiplicar e
dividir os algarismos que indicavam os andares nos elevadores. Quanto mais rápido
fizesse os cálculos mentais, menor seria a probabilidade de ficar presa
novamente. Parece que aquilo funcionava, pois jamais se repetiam episódios como
aquele dos seus nove anos. Quando as operações básicas haviam se tornado
simples demais, ela passou para as análises combinatórias: se pegava fazendo
arranjos e combinações entre os algarismos durante suas “viagens elevatórias”.
Não importa a ordem, combinação; se a ordem importa, arranjo, lembrava ela, e
rapidamente calculava as possibilidades. A fobia adquirida na infância, pelo
menos, tornou-a expert em matemática.
Adquiriu também um comportamento
emitido todas as vezes que entrava em um elevador: rapidamente apertava o botão
do ventilador, desligando-o. Não conseguia explicar a lógica daquilo,
simplesmente o fazia e o alívio era imediato. Não importava se estivesse
sozinha ou com o elevador lotado, ela simplesmente desligava o ventilador e
ficava alheia aos protestos que porventura se seguiam.
Aquilo vinha surtindo efeito até então.
Nunca mais havia ocorrido um novo episódio. Nunca mais, até aquela noite. A noite
depois de um dia tenso de trabalho, quando tudo o que ela queria era se
teletransportar para sua jacuzzi com vista panorâmica para o lago. Entrou apressada
e distraída no cubículo e, como de costume, apertou o botão do ventilador. Mas,
em vez do ventilador, o botão que alcançou foi o da luz e, imediatamente, tudo
ficou escuro. As três pessoas que estavam lá dentro se assustaram com o apagar
das luzes, mas, se assustaram ainda mais com os gritos dela. Até o momento em
que compreendeu que fora ela quem havia, erroneamente, apagado as luzes, já estava
ficando rouca de tanto berrar. Rapidamente acendeu as luzes e tentou alcançar o
botão do ventilador.
Nesse momento, porém, o elevador
deu um tranco e parou. As luzes se apagaram – agora não fora culpa dela – e se
acenderam de novo. O elevador estava parado, sabia-se lá em que andar. Eles estavam
presos. A cena dos seus nove anos voltou inteira em sua mente. Ela era
novamente a garotinha assustada, bradando gritos histéricos e palavras
desconexas.
- Foi minha culpa! Tudo porque não
desliguei o ventilador! – ela falava com a voz sôfrega.
- Calma, tudo logo vai se
resolver. Vou chamar o resgate. – placidamente falou o homem de meia-idade. Como
os homens podem ser tão frios em situações de desespero?
Ele apertou o botão da campainha,
mas nada aconteceu. Apertou novamente e... nenhum sinal. Ela viu o sangue ir
embora de seus vasos quando percebeu que não conseguiriam chamar o socorro. As pernas
cambalearam e logo não foram mais capazes de suportar o peso de seu corpo (só
para deixar claro: o peso do seu corpo estava muito bem distribuído, com bastante
massa magra, às custas de muito suor e alguns sacrifícios – somente alguns,
porque ela tinha uma boa genética e jamais conseguiria abrir mão do chocolate).
Deixou-se pender ao chão e, com a
cabeça atordoada, pôs-se a fazer cálculos mentais, como forma de aliviar o
sofrimento. Quais as probabilidades de ela sair daquela caixa do pânico ilesa? Revirou
a bolsa, procurando algo. Como não encontrava, virou-a no chão, deixando rolar alguns
de seus pertences: as chaves com pelúcia de oncinha, a nécessaire inseparável, uma
escova de cabelo magnetizada – que ela usou para dar três escovadas nas madeixas –,
um iphone de última geração, uma garrafa de água Perrier. Não era isso que
queria, mas água nessas situações é sempre bom – se for francesa, melhor ainda.
Continuou revirando a bolsa e, enfim, encontrou: uma bolsinha Prada, com vários
saquinhos para vômitos. Sempre os carregava consigo, para emergências como
aquela. Tirou um dos saquinhos bonitinhos – sério que foram feitos para o fim a
que se destinavam? – e começou a soprar dentro dele.
As três pessoas no elevador
olhavam-na com um misto de preocupação, curiosidade e estupefação. A situação
era dramática, mas também tragicômica. Ela não simplesmente passava mal, mas
tinha todo um estilo para enfrentar seu pavor. Quando ela passou a fazer suas
análises combinatórias não mais a nível mental, mas em um som débil, porém
claramente audível, a surpresa foi geral. De onde saíra aquela criatura?
A senhorinha, que enfrentava a
situação da forma mais serena possível, sacou de um truque para tentar fazê-la
se sentir melhor: discou um número no celular e fingiu que falava com alguém. Repetiu
as palavras do interlocutor de mentirinha, para acalmá-la: ele (quem quer que
fosse ele) já estava a caminho, com as chaves do elevador. Era questão de
segundos. Ela deve ter acreditado, pois a cor das faces começava a voltar. A respiração
adquiriu um ritmo mais suave.
O rapaz com fones de ouvido, que
parecia mais alheio a toda a cena, foi quem assumiu as honras de herói da
noite: forçou as portas, uma, duas, três vezes, até que elas cederam e abriram
alguns centímetros, o suficiente para fazê-la passar para fora. Os outros saíram
em seguida.
Depois disso, ela não lembra de
mais nada. Os outros contaram que o tempo total dentro do elevador foi de
exatos três minutos. Ela achou que fossem três décadas. Ela não lembra como
chegou a casa, pensou realmente na possibilidade de teletransporte, embora a
opção mais aceitável – e confirmada depois – fosse a de que o homem de
meia-idade, preocupado que ficou, levou-a em segurança até sua singela
residência. Dizem que vários romances surgem após situações desesperadoras. Será
possível?
Ela não sabia e nem queria pensar nisso, por
ora. A única providência que tomou, no dia seguinte, e nos próximos também, foi
a de evitar os elevadores. Adotou as escadas. Exercício é sempre bom! Só não de
salto, aí já é sacrificante demais. Então, ela, cuidadosamente, tirava seus
saltos Jimmy Choo, guardava-os em saquinhos imaculados, calçava um Loubotin
baixinho e seguia. Sem medos. Sem pensamentos negativos. E com muito estilo.