Raulzito já dizia: "eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo". Como ele estava certo! O mundo está cheio de gente com razão. Gente que sabe demais, com opinião sobre tudo. Dos buracos negros de Stephen Hawking (contestados pelo próprio mais tarde) a uma improvável partida de futebol entre o Bola Murcha F.C. e o Frangos Pelados.
Seja qual for o assunto, está garantido um acalorado fórum de discussões. Se forem protegidas pelos filtros da internet, então, preparem os ouvidos (ou os olhos, para ler, e dedos, para digitar)! Mais que o nível da discussão, importa ter uma opinião. Manifestar-se sobre qualquer assunto. Bradar uma posição, ainda que ela não seja realmente sua, mas mais uma modinha do momento. Não se trata apenas de ter uma opinião, mas de gritá-la para o mundo e vencer pelo grito. Como se houvesse vencedores na imaginária disputa em que falta bom-senso e sobra ignorância.
Hoje, não ter uma opinião pronta é não se posicionar, é estar em cima do muro. Mudar de opinião, então, é como um diagnóstico de birutice, e aqui falo daquela biruta que se move conforme o vento (daí o termo popular usado como sinônimo de bobice, maluquice, o que acaba dando no mesmo). No afã de ter uma opinião, muitas vezes não refletimos, mas apenas reproduzimos um discurso dominante. A opinião quase vomitada causa alívio imediato e conforto momentâneo.
O mundo anda bipolar demais. Lembra a época da minha infância, em que enxergava o mundo a partir da perspectiva do "bem" e do "mal". O bem era representado pelos heróis e o mal pelos vilões dos desenhos a que eu assistia. O esperado era que, quanto mais amadurecêssemos, mais essas perspectivas excludentes dessem lugar a visões de mundo mais ponderadas. Porque nada existe na sua forma pura. Nem o bem é somente bem e nem o mal é somente mal. Mas não parece ocorrer isso. Não no mundo em que habito. Pode pedir licença para descer agora?
Ideias de certo e errado são vendidas. Padrões são perpetuados. Até ideais de felicidade são disseminados, como se isso não fosse algo tão íntimo. O que agrada à maioria não, necessariamente, agrada a todos. Nem um pote de Nutella (hmmm) satisfaz a todo o mundo! Mas não importa, as minhas opiniões são mais importantes que as suas e, se eu gosto de Nutella, você deve ser um louco se não gostar também (não estou ganhando para fazer propaganda, apenas sou chocólatra rsrs).
A esquizofrenia coletiva que vejo está quase nesse nível. Se, antes, política e religião eram considerados assuntos polêmicos, hoje, esse rol foi consideravelmente ampliado. Tudo gera polêmica. As pessoas são enquadradas, formas de pensar e agir são tiranamente ditadas. Há um fluxo, um contra fluxo e resquícios de humanidade nesse meio. Sobram cobranças, ansiedade e frustrações. Falta autenticidade, porque já não nos conhecemos minimamente. Não admira estarmos adoecendo tanto.
As pessoas estão cheias de razão! E, se têm tanta razão, facilmente a perdem por motivos banais. Por encontrar alguém que pensa diferente. Perdida a razão, vai-se nossa humanidade. Fica o lado mais bruto, mais selvagem. Aquele da intolerância, dos pré-julgamentos, dos preconceitos. Não aquele lado que agrega, mas o que destrói.
Faço aqui uma prece por um mundo mais imperfeito. Com menos juízes, menos dedos em riste. Com mais tolerância e mais respeito também. Com mais abraços (não dizem que o mundo cabe em um abraço?). Um mundo mais plural, mais reticente. Com menos discursos prontos e mais humanidade. Por um mundo de gente menos cheia de razão. Gente que se permita pensar, refletir, e não vomitar uma opinião. Gente que não tenha uma opinião de imediato, gente que se permita mudar de opinião. Gente mais gente. Que, às vezes, ponha seu rabinho entre as pernas e se recolha a sua insignificância perante esse mundão de meu Deus. Porque, como diria Sócrates, "só sei que nada sei".