terça-feira, 23 de dezembro de 2014

As listas de Natal de Cristina


Véspera de Natal. Cristina para no estacionamento do shopping, desliga o carro e respira demoradamente, deixando o ar entrar bem em seus pulmões. Pega o telefone, abre suas notas e se põe a olhar a lista. Cinquenta nomes ao todo. Cinquenta presentes para comprar em tempo recorde. Pragueja contra si mesma por não tê-lo feito antes. Mas não tivera tempo, só ela sabia da correria que estava sua vida nos últimos meses. Chegara até a passar pelo shopping há alguns dias, mas desistira de entrar após vinte minutos na fila para o estacionamento. Amanhã virei, pensou naquela hora. Não foi no dia seguinte. Nem no outro e no outro. Quando se deu conta, era véspera de Natal. Não dava mais para adiar. Teria que enfrentar a temida maratona de compras.

Chegou meia hora antes de o shopping abrir. Enquanto esperava, passou a traçar estratégias para otimizar seu tempo e não estourar seu orçamento. Com a lista de nomes, fez algumas novas listas, conforme o tipo de presente para cada pessoa. Crianças: nove no total, começaria pela loja de brinquedos. Doze colegas do trabalho, decidiu naquele momento que daria chocolates a todos. Mais rápido e democrático. Não tinha tempo para inventar a roda naquele Natal. Mulheres da família, como tias, primas, mãe e sogra, somavam quatorze pessoas. Os presentes delas seriam escolhidos em lojas de perfumes e bijuterias, estava resolvido. Os homens da família, tios, primos, irmãos, pai e sogro, eram quinze ao todo. Lembrou de uma loja de bebidas do shopping e resolveu que compraria lá os presentes dos quinze. Assim, conseguiria fechar sua lista passando em apenas quatro lojas. Faltavam cinco minutos para o shopping abrir as portas, então ela pegou sua bolsa, uma garrafinha de água, alongou-se (afinal, ia dar início a uma maratona) e saiu.

As lojas estavam abrindo ainda, mas o shopping já estava lotado. Ela costumava ter pânico de multidões, mas não teria como evitar. Começou pela loja de brinquedos, da forma que planejou. Teve vontade de sair correndo ao pisar na loja, mas deteve-se. Pensou em como as leis da física estavam sendo postas à prova naquele momento, pois ali dentro havia mais pessoas que o espaço nitidamente comportava. Gastou vinte minutos na escolha dos nove brinquedos, o que dá pouco mais de dois minutos por presente. Nas filas para pagar e receber (sem embrulhar para presente, pois não havia como fazer embalagens naquele dia), porém, gastou uma hora e dez minutos. Cristina já estava cansada, mas só tinha vencido a primeira batalha. Havia outras pela frente.

Foi até o carro, a fim de livrar-se das sacolas, e passou a seguir novamente seu plano. Dirigiu-se logo depois à loja de perfumes. Lá comprou seis dos quatorze presentes das mulheres da família. Gastou mais quarenta minutos na empreitada. Correu para a loja de bijuterias e, ao deparar-se com a quantidade de pessoas dentro, quase desistiu do plano traçado. Como não tinha pensado em um plano B ou C, resolveu encarar a loja lotada. Após uma hora e meia, algumas cotoveladas e vários pisões nos pés, ela saiu vitoriosa com os outros oito presentes. Mais uma batalha, mas ainda não havia vencido a guerra.

Novamente foi ao carro deixar os trofeus, ou melhor, as sacolas conquistadas às custas de muito suor e cansaço, e encarou a quarta e última loja do seu plano. A loja de bebidas. Essa, felizmente, não estava tão cheia. Conseguiu transitar sem um pisão sequer e escolheu as quinze bebidas com relativa tranquilidade. Gastou quarenta e cinco minutos na última batalha do seu plano. Cristina caminhava em direção ao carro feliz, vitoriosa, pois havia conseguido comprar todos os presentes em menos de cinco horas, somando-se os deslocamentos no shopping, as idas e voltas ao carro com as sacolas e as paradinhas no banheiro. Isso sem considerar a quantidade de pessoas que havia no shopping naquele dia.

Quando deixava as últimas sacolas no carro, Cristina teve uma última ideia, fora dos seus planos até então. Resolveu que merecia um prêmio. Uma roupa para vestir na festa de Natal. Sim, pois ela comprara cinquenta presentes para os outros, merecia também um para si. Trancou novamente o carro e voltou ao ambiente hostil do shopping. Ao passear em frente às vitrines, procurando algo que a agradasse, ela já não via tanta hostilidade ali. Olhou um vestido em uma vitrine que parecia estar esperando por ela, resolveu entrar na loja cheia, mas não lotada, e experimentou-o. Perfeito, seu número exato. Esse, sim, seria seu troféu. Pagou o vestido, sentindo-se aliviada, contente até. O temor que sentia quando estacionara o carro pouco mais de cinco horas antes havia se dissipado. Uma sensação boa começou a invadir-lhe. Cristina se viu andando em direção ao supermercado do shopping. Entrou, sem se importar com a multidão lá dentro, separou algumas cestas de alimentos, colocou-as no carrinho e dirigiu-se à fila para pagar.

Aos poucos, ela foi tomada pelo que chamou de espírito natalino. A histeria de compras que até então predominava foi embora. Ela sentia paz, mesmo em meio ao caos. A multidão ali presente não era mais vista como inimigos de batalha, mas como pessoas a serem também tocadas pelo sentimento bom que invadiu-lhe. Cristina sentia vontade de fazer o bem. Ao sair, passaria em um asilo e doaria as cestas compradas. No último trajeto para o carro, Cristina ofereceu-se para ajudar a quem podia, seja carregando sacolas, dando uma mão com as crianças ou distribuindo gentis sorrisos.

No carro, a caminho do asilo, Cristina sentia-se extraordinariamente bem. Estava reflexiva, passou a pensar nos últimos Natais em que se comportou no modo automático. Natal de verdade era aquilo, aquela paz interior, alcançada após uma quase exaustão. Mais que presentes sem sentido, Natal era presença. Era gentileza, era enxergar o outro, além de vê-lo em meio à multidão. Estava revigorada. Seus pensamentos flutuavam enquanto dirigia. Um leve torpor invadia-lhe o corpo e a alma. Pôs-se a agradecer por tudo: por mais um Natal, por todas as pessoas queridas que tinha a seu lado, por sua família, seus pais amorosos, seu marido adorável, seu casal de filhos.

Então, Cristina lembrou-se: os filhos haviam feitos suas cartinhas ao Papai Noel. As cartinhas que ela tinha em sua bolsa, com os presentes tão aguardados pelas duas crianças. As cartinhas que  ficaram esquecidas em sua bolsa até aquela hora. Pela manhã, as crianças iriam procurar ansiosa e alegremente pelos presentes. Que ela não havia comprado. Papai Noel não poderia ter esquecido dos dois. Não suportaria os olhares de decepção dos filhos. Não era o momento de tirar-lhes a magia dessa data. Respirou fundo, pegou o primeiro retorno e tomou a direção do shopping novamente. O shopping que estava ainda mais lotado. Porém menos hostil, devido  às sensações que Cristina recém experimentara. Respirou fundo novamente. Havia mais uma batalha a ser combatida. Essa não podia ser adiada.

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