quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Resoluções de Ano Novo



"Bendito quem inventou o belo truque do calendário, pois o bom da segunda-feira, do primeiro dia do mês e de cada ano novo é que nos dão a impressão de que a vida não continua, mas apenas recomeça". (Mario Quintana)


As palavras acima, de Mario Quintana (um dos meus poetas preferidos), expressam, com genial simplicidade, o sentimento que predomina nessa época. Cada novo ano é como uma pausa, fechando um ciclo e dando início a um próximo. Esse costuma ser também o momento em que fazemos balanços do que passou e traçamos novos planos para o porvir.

Com esses balanços e metas, geralmente nos apercebemos de que a conta do ano que se encerra não fecha, que aquilo que foi planejado deixou, em muito, de ser realizado. Vemos que os planos para o novo ano que vai chegar são muito iguais aos do ano que termina. E dos últimos anos anteriores também.

Não viajamos o mundo como gostaríamos. Não frequentamos a academia com a disciplina que deveríamos. Não seguimos as dietas tão à risca. Não perdemos aqueles quilinhos extras que insistem em se alojar nos locais mais indesejados. Não terminamos os cursos que planejamos (pior, às vezes nem iniciamos). Não nos tornamos mais organizados. Não lemos todos os livros que prometemos. Não vimos todos os filmes que previmos. Não tiramos mais tempo livre para a família ou para nós mesmos.

Essa lista poderia continuar infinitamente, mas ela é somente exemplificativa. E universal também, como aqueles controles que servem em qualquer TV. Porque muito do que está acima se aplica a mim, a você e a tantos outros. Porque temos a mania de traçar metas que, consciente ou inconscientemente, sabemos que não iremos cumprir. Não importa, continuamos a fazer planos. Damos nova roupagem aos desejos dos anos anteriores e os transferimos para os seguintes. Porque no ano que vem será diferente. Afinal, é um novo ciclo!

A folhinha do calendário que será arrancada hoje nos sinaliza que teremos mais 365 (ou 366) dias para fazer tudo diferente. O sentimento é de renovação. O champanhe ou os fogos estourados mais tarde simbolizam nossa esperança de transformação. Transformação para o mundo e para nós mesmos. Nessa ânsia por mudanças, muitas vezes extrapolamos, traçamos metas irreais, que acabam gerando frustrações.

Planejar é importante e necessário. Mas o planejamento deve ser realista e flexível, ou vamos continuar maquiando os desejos dos últimos anos e transferindo-os para os vindouros. Não posso, como formiguinha assumida que sou, prometer cortar os doces da minha vida em 2015. Porque sei que irei me sabotar facilmente. Uma meta a menos a ser cumprida. Que pode puxar todas as outras (quantas?) pelo ralo.

Esse planejamento é uma etapa do processo último de desenvolvimento pessoal que todos buscamos. Como etapa, não pode ser maior que o todo, que o processo em si. Tracemos metas, mas metas pessoais e exequíveis.

Escrevo este texto tomada pelo mesmo sentimento de renovação que citei acima. Ele acabou fugindo do padrão das outras histórias, talvez tenha ficado mais denso que deveria. Tudo bem, é meio que uma reflexão de fim de ano, então está valendo. Como disse o Quintana, é o truque do calendário, é vida que recomeça. Vou correr para colocar o champanhe na geladeira e traçar minhas metas (reais) para 2015!

Feliz Ano Novo!!

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

As listas de Natal de Cristina


Véspera de Natal. Cristina para no estacionamento do shopping, desliga o carro e respira demoradamente, deixando o ar entrar bem em seus pulmões. Pega o telefone, abre suas notas e se põe a olhar a lista. Cinquenta nomes ao todo. Cinquenta presentes para comprar em tempo recorde. Pragueja contra si mesma por não tê-lo feito antes. Mas não tivera tempo, só ela sabia da correria que estava sua vida nos últimos meses. Chegara até a passar pelo shopping há alguns dias, mas desistira de entrar após vinte minutos na fila para o estacionamento. Amanhã virei, pensou naquela hora. Não foi no dia seguinte. Nem no outro e no outro. Quando se deu conta, era véspera de Natal. Não dava mais para adiar. Teria que enfrentar a temida maratona de compras.

Chegou meia hora antes de o shopping abrir. Enquanto esperava, passou a traçar estratégias para otimizar seu tempo e não estourar seu orçamento. Com a lista de nomes, fez algumas novas listas, conforme o tipo de presente para cada pessoa. Crianças: nove no total, começaria pela loja de brinquedos. Doze colegas do trabalho, decidiu naquele momento que daria chocolates a todos. Mais rápido e democrático. Não tinha tempo para inventar a roda naquele Natal. Mulheres da família, como tias, primas, mãe e sogra, somavam quatorze pessoas. Os presentes delas seriam escolhidos em lojas de perfumes e bijuterias, estava resolvido. Os homens da família, tios, primos, irmãos, pai e sogro, eram quinze ao todo. Lembrou de uma loja de bebidas do shopping e resolveu que compraria lá os presentes dos quinze. Assim, conseguiria fechar sua lista passando em apenas quatro lojas. Faltavam cinco minutos para o shopping abrir as portas, então ela pegou sua bolsa, uma garrafinha de água, alongou-se (afinal, ia dar início a uma maratona) e saiu.

As lojas estavam abrindo ainda, mas o shopping já estava lotado. Ela costumava ter pânico de multidões, mas não teria como evitar. Começou pela loja de brinquedos, da forma que planejou. Teve vontade de sair correndo ao pisar na loja, mas deteve-se. Pensou em como as leis da física estavam sendo postas à prova naquele momento, pois ali dentro havia mais pessoas que o espaço nitidamente comportava. Gastou vinte minutos na escolha dos nove brinquedos, o que dá pouco mais de dois minutos por presente. Nas filas para pagar e receber (sem embrulhar para presente, pois não havia como fazer embalagens naquele dia), porém, gastou uma hora e dez minutos. Cristina já estava cansada, mas só tinha vencido a primeira batalha. Havia outras pela frente.

Foi até o carro, a fim de livrar-se das sacolas, e passou a seguir novamente seu plano. Dirigiu-se logo depois à loja de perfumes. Lá comprou seis dos quatorze presentes das mulheres da família. Gastou mais quarenta minutos na empreitada. Correu para a loja de bijuterias e, ao deparar-se com a quantidade de pessoas dentro, quase desistiu do plano traçado. Como não tinha pensado em um plano B ou C, resolveu encarar a loja lotada. Após uma hora e meia, algumas cotoveladas e vários pisões nos pés, ela saiu vitoriosa com os outros oito presentes. Mais uma batalha, mas ainda não havia vencido a guerra.

Novamente foi ao carro deixar os trofeus, ou melhor, as sacolas conquistadas às custas de muito suor e cansaço, e encarou a quarta e última loja do seu plano. A loja de bebidas. Essa, felizmente, não estava tão cheia. Conseguiu transitar sem um pisão sequer e escolheu as quinze bebidas com relativa tranquilidade. Gastou quarenta e cinco minutos na última batalha do seu plano. Cristina caminhava em direção ao carro feliz, vitoriosa, pois havia conseguido comprar todos os presentes em menos de cinco horas, somando-se os deslocamentos no shopping, as idas e voltas ao carro com as sacolas e as paradinhas no banheiro. Isso sem considerar a quantidade de pessoas que havia no shopping naquele dia.

Quando deixava as últimas sacolas no carro, Cristina teve uma última ideia, fora dos seus planos até então. Resolveu que merecia um prêmio. Uma roupa para vestir na festa de Natal. Sim, pois ela comprara cinquenta presentes para os outros, merecia também um para si. Trancou novamente o carro e voltou ao ambiente hostil do shopping. Ao passear em frente às vitrines, procurando algo que a agradasse, ela já não via tanta hostilidade ali. Olhou um vestido em uma vitrine que parecia estar esperando por ela, resolveu entrar na loja cheia, mas não lotada, e experimentou-o. Perfeito, seu número exato. Esse, sim, seria seu troféu. Pagou o vestido, sentindo-se aliviada, contente até. O temor que sentia quando estacionara o carro pouco mais de cinco horas antes havia se dissipado. Uma sensação boa começou a invadir-lhe. Cristina se viu andando em direção ao supermercado do shopping. Entrou, sem se importar com a multidão lá dentro, separou algumas cestas de alimentos, colocou-as no carrinho e dirigiu-se à fila para pagar.

Aos poucos, ela foi tomada pelo que chamou de espírito natalino. A histeria de compras que até então predominava foi embora. Ela sentia paz, mesmo em meio ao caos. A multidão ali presente não era mais vista como inimigos de batalha, mas como pessoas a serem também tocadas pelo sentimento bom que invadiu-lhe. Cristina sentia vontade de fazer o bem. Ao sair, passaria em um asilo e doaria as cestas compradas. No último trajeto para o carro, Cristina ofereceu-se para ajudar a quem podia, seja carregando sacolas, dando uma mão com as crianças ou distribuindo gentis sorrisos.

No carro, a caminho do asilo, Cristina sentia-se extraordinariamente bem. Estava reflexiva, passou a pensar nos últimos Natais em que se comportou no modo automático. Natal de verdade era aquilo, aquela paz interior, alcançada após uma quase exaustão. Mais que presentes sem sentido, Natal era presença. Era gentileza, era enxergar o outro, além de vê-lo em meio à multidão. Estava revigorada. Seus pensamentos flutuavam enquanto dirigia. Um leve torpor invadia-lhe o corpo e a alma. Pôs-se a agradecer por tudo: por mais um Natal, por todas as pessoas queridas que tinha a seu lado, por sua família, seus pais amorosos, seu marido adorável, seu casal de filhos.

Então, Cristina lembrou-se: os filhos haviam feitos suas cartinhas ao Papai Noel. As cartinhas que ela tinha em sua bolsa, com os presentes tão aguardados pelas duas crianças. As cartinhas que  ficaram esquecidas em sua bolsa até aquela hora. Pela manhã, as crianças iriam procurar ansiosa e alegremente pelos presentes. Que ela não havia comprado. Papai Noel não poderia ter esquecido dos dois. Não suportaria os olhares de decepção dos filhos. Não era o momento de tirar-lhes a magia dessa data. Respirou fundo, pegou o primeiro retorno e tomou a direção do shopping novamente. O shopping que estava ainda mais lotado. Porém menos hostil, devido  às sensações que Cristina recém experimentara. Respirou fundo novamente. Havia mais uma batalha a ser combatida. Essa não podia ser adiada.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

namorados.com




Conheceram-se por meio de amigos em comum. Foi pelo Facebook que Caio vislumbrou a possibilidade de uma relação com Lorena. Afinal, eles tinham cinco amigos comuns em seus círculos. A moça tinha um perfil interessante; pelas fotos e posts, parecia bonita e inteligente. Ele resolveu arriscar. Enviou-lhe uma solicitação de amizade. Ela viu o pedido, mas não aceitou de imediato. Não era do tipo que adicionava pessoas sem conhecer pessoalmente. Mas eram cinco amigos em comum, alguma compatibilidade haveria de existir entre os dois. Lorena deu um clique e aceitou a solicitação de Caio. 

Começou ali a amizade entre eles. Seguiram-se dezenas de curtidas, vários comentários nos status de ambos, Caio marcava Lorena em postagens especiais e vice-versa. Depois vieram outras redes: InstagramTwitter, Google+ etc. Falavam-se ainda pelo WhatsApp. Caio começou a dar cutucadas em Lorena pelo Facebook e, então, resolveu convidá-la para um encontro "real". Que ela aceitou. 

Curtiram-se de verdade. O interesse era recíproco. Após três encontros presenciais, resolveram que era hora de mudar o status. Foi Lorena quem o fez primeiro: "em um relacionamento sério com Caio". Ele, apaixonado, prontamente alterou também o seu: "em um relacionamento sério com Lorena". Os amigos adoraram. Foram centenas de curtidas na torcida pelo novo casal. 

Eram um casal comum: havia paixão, amor, cumplicidade, ciúmes, brigas. E, claro, havia a Internet, sempre ela. Fora ela que os juntara. E era ela também o maior motivo de brigas entre os dois. Pelo WhatsApp, rolavam muitas cobranças e algumas DRs. 

Quem eh Mariana? 
Que Mariana? 
A Mariana q postou umas fotos e ganhou um monte de curtidas suas 
(silêncio) 
Não adianta vc ignorar, pq eu já vi que vc leu 
A Mariana eh minha colega de trabalho 
E posso saber pq vc anda curtindo fotos de uma colega de trabalho? 
Pq eu achei legais, ora! Sem essa crise agora, por favor! 
Que crise? Vc fica curtindo fotinhas de uma piriguete e eu tenho q achar td legal? 
Dá um tempo, Lorena! Isso tah chato! 
Chato tah vc 
(...) 
Amor, para com esse ciúme. Não vou mais curtir fotos da Mariana 
Vc devia era excluir ela do seu Facebook 
Mas ela eh minha colega 
Pois eh, vc já olha ela td dia 
Isso eh demais 
Exclui 
Não 
Exclui, please? 
Para de ser infantil 
Exclui, ou eu vou excluir vc!!! 

Caio acabou excluindo Mariana. E Luana, Paula, Gabriela, Rafaela, Sabrina, Michele... Quando se deu conta, as únicas mulheres dos seus círculos virtuais eram suas irmãs, algumas primas (você tem umas primas bem saidinhas, dizia Lorena), tias e senhoras na faixa dos cinquenta anos. Lorena era muito ciumenta. E controlava todos os passos dele nas redes sociais. 

Ele se sentia sufocado. Os amigos começavam a zoar. As amigas já evitavam falar com ele. Quando Lorena teve o disparate de pedir a senha dele do Facebook, Caio não aguentou. Precisava falar com ela. Dar fim àquilo. Isso era demais. Intimidade é uma coisa, fornecer a senha pessoal já extrapolava todos os limites do possível. Marcou um jantar. Tinha que resolver isso pessoalmente. 

Saíram para o restaurante. No caminho, o som do carro quebrava o silêncio entre os dois. Ao chegarem, Caio, como um perfeito cavalheiro, puxou a cadeira para ela. Parecia um encontro normal, romântico até. Mas não era. Ele estava tenso. Não sabia como falar. Fizeram os pedidos. Lorena escolheu os pratos, enquanto Caio mentalizava a forma como diria a ela. Por várias vezes, enquanto esperavam o garçom, Caio fez menção de dizer-lhe. Mas não conseguiu. Ela ria-se, um riso entre tímido e dominador. Comeram. Beberam. Mas não falaram mais que o trivial. Checaram seus celulares a todo instante, entre goladas e garfadas. Pediram a conta, pagaram e foram embora. Caio deixou-a em casa e não falou. Deu-lhe um longo beijo e seguiu. 

Em sua cama, Caio estava inquieto. Repreendia-se pela falta de coragem. Tentou dormir, mas não conseguiu. Pegou o celular. Acessou o Facebook, que deu início a tudo. Alterou seu status para "solteiro". Lorena logo viu. Telefonou-lhe em seguida, entre surpresa e furiosa. Como assim, se haviam acabado de ter um jantar romântico? Caio tentou explicar-lhe que era um jantar de despedida. Discutiram por longas horas. Falaram mais do que já haviam falado pessoalmente em todo o tempo juntos. Por fim, Lorena excluiu-o do Facebook. E do Twitter, do Instagram. De todas as redes sociais. Apagou todas as conversas do WhatsApp. Deletou até os amigos que tinha em comum com Caio, para não correr riscos. 

Caio terminou a conversa exausto. Mas aliviado. Adormeceu em seguida. Acordou no dia seguinte se sentindo mais leve. Mais livre. Mais Caio. Mais real e menos virtual. Tomou uma decisão radical, mas necessária naquele momento: excluiu todos os seus perfis. Por um tempo, ele seria apenas Caio. O Caio real. E teria apenas encontros reais, viveria romances reais. E ponto.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Confissões de uma mãe




Meu nome é Carolina. Comecei a experimentar a miscelânea de sentimentos ligados à maternidade há exatos cinco anos, quando, de repente, foi ligado algum botãozinho que fez despertar em mim a vontade de ser mãe. Antes disso, eu estava atarefada demais, preocupada demais, nova demais e com dinheiro e perspectivas de menos para assumir a árdua tarefa de ser responsável pela existência de um outro ser. Se nem com plantas eu tinha jeito (já consegui matar até um cacto), como iria cuidar de um filho? Além de tudo, faltava-me algo básico para a função de procriação: um pai. Claro, sempre existia a possibilidade de uma produção independente, mas isso não era algo para me preocupar até então. Pelo menos até cinco anos atrás. 

Há cinco anos eu estava com trinta e três. Havia concluído um mestrado, estava bem estabelecida profissional e financeiramente e havia conquistado muitas das coisas que almejara. Mesmo assim, ainda não pensava que era a hora de ser mãe. Queria ganhar mais, sonhava em fazer um doutorado, ser promovida. Tantas coisas... Mas, quando a gente pensa bem, nunca parece ser a hora de ter filhos. O fato é que meu reloginho girava cada vez mais rápido. Foi então que decidi que não dava mais para adiar e dei início ao "projeto mamãe". 

A primeira etapa do projeto era arrumar um pai. Isso, felizmente, já estava encaminhado. Faltava apenas convencer Fernandomeu namorado há um ano, a abraçar o projeto. O que não foi tão difícil. O moço parecia ter o gene que regula a função paterna presente de forma dominante. Animou-se tanto com a causa, que, quando espantei, já estávamos morando juntos. Viramos tentantes, como se diz. 

Curtimos muito a fase dos treinos. Podíamos passar o dia inteiro feito dois gatos no cio, pois isso tinha um motivo nobre. Essa fase, porém, passou a se estender além do que programávamos. Havia quase um ano que eu alternava mês a mês as mais variadas emoções: sentia-me grávida a cada ciclo menstrual, jurava já ter os primeiros enjoos, quando lá vinha a monstra dar as caras e provar que eu estava enganada mais uma vez. 

Resolvemos procurar ajuda médica, dando início uma nova fase: exames, exames e mais exames, namoro com hora marcada (hoje é dia do futebol, dizia Fernando; não, hoje é dia de treino, eu dizia), estresse, ansiedade, frustração. Decidimos partir logo para uma fertilização, afinal o meu reloginho estava acelerado. Sabíamos da possibilidade (muito concreta) de uma gravidez múltipla, mas, ainda assim, a notícia dos trigêmeos pegou-nos de surpresa. 

Laura, Lucas e Letícia. Preparamos tudo para a chegada dos pequenos. Pintamos o quartinho, montamos enxoval, abastecemo-nos de livros para aprender a ser bons pais (é incrível como nos livros tudo parece ser tão perfeito)Faça tudo verde e rosa, palpitava minha mãe. Não, escolha branco com azul, fica muito mais bonito, bradava a minha sogra. Nem de uma forma nem de outra, rebelei-mefiz tudo em diferentes tons de amarelo. De início, confesso que não gostei muito, mas depois passei a ver com outros olhos e acostumei-me. 

Os trigêmeos nasceram aos sete meses e ficaram mais de um mês na incubadora. Aquela rotina de hospital acabava comigo. Tudo o que eu queria era levar meus filhotes para casa. Enfim, o dia chegou. Poder ir para casa com minha cria foi uma emoção indescritível. Saí do hospital chorando, mas um choro aliviado, feliz. 

E então a pauleira começou. Se os primeiros meses com um bebê não são fáceis, com três é emoção ao cubo. Mesmo com a ajuda de Fernando e de minha mãe, sempre me pareciam faltar braços, pernas e, claro, peitos. Amamentar três bebês fofos e esfomeados me fez perder todos os quilos ganhos na gestação e mais um pouco (yesss!). As trocas de fraldas (e quantas fraldas!), a hora do banho e da soneca lembravam uma (desordenada) linha de montagem. Pega um, limpa, passa pomadinha, acalma o outro que chora, troca a roupinha do primeiro, pega o terceiro que já começa a chorar, os outros dois acompanham, pega todos no colo de qualquer maneira. Quando finalmente dormiam (todos os três), eu acabava desmaiando junto (confesso que desde que meus filhos nasceram, nunca mais tive insônia, graças a Deus!). Podia dormir feito um anjo pelas próximas... duas horas. Laura geralmente era a primeira a gritar no berço, Lucas a acompanhava em seguida e Letícia logo juntava-se ao coro. Eu era um zumbi, mas um zumbi feliz. 

Meus bebês cresciam fortes, lindos e saudáveis. Eu sobrevivia. O tempo da minha licença maternidade estava chegando ao fim e eu ainda não havia decidido como faria. A típica dúvida das mães modernas: creche, babá ou avós? Mesmo com três bebês, eu resistia à ideia de uma babá. Algo a ser trabalhado, provavelmente, na terapia, pois deve ter a ver com a minha mania de centralizar. No entanto, eu precisava delegar, se quisesse continuar a ter uma vida profissional. Optei pela creche. Chorei horrores ao entregar meus filhos e descobri que o tal período de adaptação é, na verdade, destinado às mães. 

Passei seis meses funcionando no automático após voltar a trabalhar: dormia quatro horas por noite, pois meus anjinhos ainda não haviam estabelecido uma rotina de sono (como assim, que tipo de mãe você é? Cadê o livro que ensina a encantar bebês, onde larguei?), acordava às cinco da manhã para arrumar a eles e a mim, Fernando entregava-os na creche e eu seguia para o trabalho. Tomava oito xícaras de café por dia para tentar me manter acordada, mas nem isso funcionava. Quando quase tive um acidente por cochilar ao volante, resolvi repensar a minha vida. E tomei uma decisão que jamais imaginei antes: deixei o trabalho por um tempo para cuidar melhor dos meus filhos (e de mim). Fui bombardeada de todos os lados. De repente me vi obrigada a prestar contas de minhas decisões até para a desconhecida que encontrei casualmente na padaria. Mãe deve ser mesmo sagrada, pois todos se preocupam com a vida de uma mãe. 

Por falar nisso, certa vez levei uma bronca de uma senhora no shopping porque eu estava dando sopinha de potinho para meus filhosTentei argumentar que isso era esporádico, em ocasiões de emergência, mas desisti. Ela foi embora me achando péssima mãe. Em outra ocasião, quase fomos convidados a sair de um restaurante, porque as crianças choravam insistentemente, atrapalhando os outros clientes. Entre olhares furiosos e compadecidos, resolvemos ir embora (na verdade, Fernando resolveu, eu teria ficado lá para provar que sou mais forte). Porque, se na França as crianças não fazem birra, meus filhos, confesso, algumas vezes decidem fazer manha (será isso um atestado de incompetência como mãe?). Por fim, essa é mais recente, fui ao fraldário de um supermercado trocar meus filhos de pouco mais de dois anos. Uma mãe de um bebê prodígio que jamais usou fralda me censurou e tive de passar meia hora ouvindo sobre os benefícios dos métodos naturais em voga atualmente. O discurso, para mim, não surtiu muito efeito, pois as crianças continuaram nas fraldas até os dois anos e meio, quando, finalmente, consegui desfraldá-los (quer dizer, a fralda da noite ainda estou tentando tirar). Que economia ficar livre de comprar fraldas para três! Agora posso ir ao salão quatro vezes ao mês (não é porque sou mãe que deixei de ser vaidosa, além do mais, a hora no salão me serve de terapia). 

As crianças vão completar três anos. Estão ficando independentes. Ano que vem irão para a escola. Eu, finalmente, sei o que é dormir de novo. A vontade de voltar a ter uma vida profissional começa a apertar. Claro, a minha vontade e as cobranças dos outros. Porque, se você está em casa com os filhos, não tem uma vida fora, então você não faz nada. Infelizmente, é assim que muita gente pensa. Eu lembro (com certo saudosismo) quando voltei da licença maternidade e ficava ansiosa pelas segundas-feiras. As segundas, para mim, eram como uma carta de alforria temporária: vá, descanse um pouco depois de dias de estiva (a mãe que nunca sentiu um pouco disso que atire a primeira pedra). 

Antes de voltar a trabalhar, estou investindo em um sonho: o doutorado. Comecei-o recentemente. Não sei como darei conta. Mas sou mãe, tenho fé. Toda mãe não é um pouco heroína (além de leoa, canguru, polvo e mais tantos outros bichos)? 

Deixo aqui uma última confissão por hoje: aquela história de que em coração de mãe sempre cabe mais um, para mim, é balela. Estou muito feliz com meus três filhos. Mas não penso em novas crianças. Encerrei a produção. Já estou plenamente realizada como mãe de três (chega, né?). Fernando pensa igual. É um paizão, mas também acha que três está bom. 

Já ouço os gritos e batidas na porta. Até Fernando já veio saber se está tudo bem. Estou trancada no banheiro agora, escrevendo meu diário (qual mãe nunca fugiu para o banheiro?). Manter um diário é minha válvula de escape de vez em quando. Agora deixa eu ir. Tenho um compromisso inadiável: assistir à Peppa com as crianças.

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