Abro, com determinação, o
notebook. Hoje ele será meu fiel companheiro. Embarcará comigo nas histórias
mais extraordinárias que minha mente for capaz de criar. Sua bateria aquecerá
no ritmo efervescente das minhas ideias. Mas, um instante... que ideias?
Encaro a tela em branco à minha
frente. Lembro que, quando comecei a escrever minhas primeiras histórias, não
encarava uma tela, mas a folha em branco. Recordo a grafia agarrunchada de quem
mal aprendera a juntar as letras para formar palavras. E descobri a magia que
elas, as palavras, exerciam. Não eram simples junções de letras, mas
significantes com poderes mágicos para mim, capazes de me transportar para as
mais diversas realidades. Tudo bem que não tinha a menor noção do que era um
significante aos sete anos de idade, mas isso não vem ao caso agora.
A tela vazia continua me
encarando. Intimidadora. Quase acovardo-me diante dela. Seria melhor abrir um
vinho? Hmm... melhor não, ele pode acabar me desviando do meu objetivo desta
noite, que é de criar uma história. Faz tempo que não me entrego ao hábito de
escrever. Já quase me esqueço da sensação de prazer que sinto ao dar vida às
personagens em um conto ou crônica. Qual é mesmo o neurotransmissor que regula a
sensação de prazer? Ah, serotonina. Serotonina me fez pensar em chocolate. De
repente, me veio um desespero, uma vontade de comer chocolate. Será que ainda
tenho aquela barra de 70% na dispensa? Melhor verificar, um chocolate agora é
tudo de que preciso para deixar a mente viajar e criar alguma história,
qualquer que seja, já nem precisa ser muito boa.
Saio à caça da minha barrinha.
Por sorte, ainda restam alguns tabletes dela. Volto para meu notebook e
delicio-me com meu chocolate. Minimizo a tela má enquanto como. Tive uma ideia:
vou dar uma googlada e ver se
encontro algo que me inspire alguma história. Infeliz ideia, isso sim! Que
mundo fantástico e traiçoeiro é o da internet. O que era para ser uma simples e
rápida pesquisa durou apenas... três infrutíferas horas perdidas. A internet é
como um labirinto daqueles em que é quase impossível achar a saída. E aqui
estou eu, sem história, sem ideias, sem ânimo, sem inspiração alguma. Também já
sem chocolate e, possivelmente, zero serotonina.
Começa a dominar-me um sentimento
de desespero. Olho o relógio, já é madrugada. Tenho um duro dia pela frente
amanhã. Minha mente cansada começa a reclamar o sono. Mente cansada e
improdutiva. Quatro horas em frente ao notebook e nenhuma linha? Santa
incompetência!
Estou a ponto de desistir, melhor
ir dormir. Antes de entregar totalmente os pontos, começo a pensar em ideias
para alguma história. Nem que seja para escrevê-la amanhã. Que tal uma crônica
sobre política? Nossa capenga política interna ou o resultado improvável da
eleição americana? Rapidamente desisto desse tema, desde quando sou
comentarista de política, ainda mais internacional? Melhor algo mais leve, que
não acirre ainda mais os ânimos já exaltados por aí. Já sei, uma história sobre
chocolate. Esse fascinante produtor de serotonina (rsrs) bem que pode render
uma boa história. Ou o vinho, que poderia ter me inspirado a criar nesta noite.
Dou uma longa bocejada, sinto os
olhos arderem de sono. Não haverá outro jeito, terei de dormir. Não será hoje
que irei me curar da ressaca criativa que me abateu há tempos. O tal do
bloqueio é mais forte que imaginava. Onde foi parar a escrita leve, fluida, os
dedos que se moviam quase como uma dança pelo teclado?