Malu sempre foi estressada. Desde quando era Maluzinha, sua mente ansiosa estava à frente, impedindo-a de estar de fato onde devia no momento. Nas brincadeiras, entregava- se durante os dois primeiros minutos, em média. Depois, começava a confabular, encontrava até chifre em cabeça de cavalo e estragava a diversão. Logo acusava o amigo que queria trapacear, o irmão que não sabia jogar, lembrava da mãe que iria brigar porque ela estava se demorando além do previsto. Cresceu com a feroz ansiedade como companheira e o estresse era característica bem lembrada por todos de seu convívio.
Quando estava mais entendida, passou a identificar gatilhos para seus estresses e algumas válvulas que lhe faziam fugir das crises. O fora do namorado pedia chocolate. Aos montes, sem pena. Uma descarga de dopamina para esquecer o galinha safado que não merecia sequer habitar o mesmo planeta que ela. Conflitos familiares eram amenizados com roupas novinhas, compradas somente por impulso e pela sensação reconfortante de passar o cartão na maquininha e carregar montes de sacolas. E, claro, para crises de grau altíssimo, sempre havia eles... os sapatos. Pares e pares, amontoados no armário. Às vezes, quando batia uma leve culpa, ela lembrava que não eram apenas sapatos. Eram recompensas, alívios para todo o sofrimento por que já passara um dia.
Assim, ela vivia ciclos: um gatilho qualquer, estresse e ansiedade, um mecanismo para combatê-los, alívio momentâneo e, não tardava, tudo novamente. Cíclicas eram suas crises, assim como as "terapias alternativas super eficientes" (nos termos dela), que descobria para enfrentá-las.
Começou com aulas de dança. Alguém disse que dançar era um ansiolítico natural, sem contraindicações, de efeito terapêutico imediato, além de favorecer o convívio social. Matriculou-se em um curso de balé. Nunca havia feito balé quando menina, mas, na companhia de uma amiga, resolveu aventurar-se nos pliés e jetés da dança. A empolgação durou três semanas, até ela torcer o tornozelo em um passo mais arriscado para sua categoria iniciante tardia, o que a fez pendurar, para sempre, as sapatilhas.
Resolveu mudar radicalmente e, dos collants e sainhas, passou às pesadas luvas. O boxe era a terapia da vez. Parecia um excelente meio de descarregar as tensões acumuladas durante o dia. Saiu do trabalho com seu par de luvas recém-comprado, seus shorts especiais e foi à primeira aula. "Dar porrada" devia ser mesmo legal, pensou. Só não tinha ideia do quanto o esporte iria lhe exigir. Depois de derramar litros de suor no primeiro treino, começou a sentir torpor, a visão turva e o ar parecia faltar-lhe. Não lembra o momento em que quase foi ao chão. Ela só recorda que, ao despertar, rodeada de alunos, tinha sua luva apoiando a cabeça, cuidadosamente colocada pelo seu instrutor após o susto. Saiu da sua primeira aula morta de vergonha e nunca mais conseguiu retornar.
Depois vieram as aulas de yoga. Que ela, também, não conseguiu levar adiante. Muito zen, dizia a quem perguntava. Pilates, musculação, dança do ventre. Aulas de inglês, francês, espanhol, alemão. Aventurava-se em todas, mas não chegava a concluir nenhuma língua. Resolveu, então, que precisava era de adrenalina. Esportes radicais. Slackline, canoagem, bodyboarding, escalada, montanhismo. Fez de tudo. Perdeu muito do medo que tinha, mas a ansiedade não resolvia deixar-lhe.
Foi para o campo das artes. Desenho, aulas de canto, violão, saxofone. Descobriu talentos que sequer imaginou ter. Já podia tentar uma segunda profissão, pensava. Mas dormir tranquila em sua cama fofa que era bom, nada!
Então, descobriu algo que parecia ser a cura para sua ansiedade. Tudo bem que foi levada a isso por modinha, mas era tão simples e lúdico, que não sabia como nunca havia tentado antes. Livros de colorir. Tinha alguns livrinhos de atividades de seus filhos em casa, mas nunca se interessou de fato por eles. Até que, passeando por uma livraria, avistou os tais livrinhos para adultos. Foi meio que hipnotizada por eles. Resolveu levar dois, além de uma dúzia de lápis com efeitos especiais. Era fan-tás-ti-co!! Depois de uns dias, resolveu comprar mais livros e também aumentar sua coleção de lapizinhos fofos. O efeito terapêutico estava comprovado. Finalmente, descobrira algo que funcionava para ela.
Até que uma amiga, também recém-adepta da atividade, incluiu-a em um grupo no WhatsApp. Nossa, já existia até grupo de adoradoras dos livrinhos mágicos! Então, a terapia deixou de ser terapia. Passou a ter efeito contrário. Eram disputas diárias de quem tinha mais lápis, quem fazia os efeitos mais bonitos. Sempre havia aquela com a maleta mais cara e mais cheia dos melhores lápis. Aquela que dava às gravuras um colorido profissional. A que postava fotos tão perfeitas, que levantava suspeitas sobre sua autenticidade. A que mais parecia incorporar um pintor expressionista. Malu não se sentia à altura das amigas/rivais. Céus, aquilo ia deixá-la louca!
Até que ela encontrou o meio de impressionar. Já não se tratava de desestressar, mas de sentir-se pertinente e adequada, como um adolescente à procura do seu grupo. Precisava mostrar àquelas mulheres que, sim, ela era boa também. Até melhor que elas. Tirou a foto e postou. Logo começaram a soar os bipes das mensagens felicitando-a, a inveja em forma de cumprimentos. Ela se sentiu vitoriosa, o gosto agridoce da soberba deliciava-se. Ria-se, orgulhosa e trapaceira, admirando o livro aberto na gravura colorida, de forma escondida, pela filha de sete anos. A única que, naquela casa, no momento, experimentava de verdade o poder lúdico e curativo daquelas páginas.